Rough Cut Lab

Laboratório de montagem para documentários e editores observadores.

Sobre

Laboratório de montagem para dois filmes de documentário em fase de pós-produção e um grupo de 30 editores-observadores. O programa está composto por uma masterclass, em que refletimos sobre os diferentes desafios da construção narrativa na montagem, através das referências de trabalho que traz o tutor e por duas sessões de consultoria dos cortes apresentados pelos filmes selecionados.

A atividade tem como objetivo estreitar as relações da comunidade de montadores brasileiros através da troca de experiências e contribuir no analise da estrutura narrativa dos filmes em processo de montagem.

TUTORIA

ANDRÉS DI TELLA

Andrés Di Tella é cineasta e escritor. Dirigiu os filmes “Montoneros Una Historia”,

“Macedonio Fernández”, “Prohibido”, “La Televisión y Yo”, “Fotografías”, “327 Cuadernos”, “Ficción Privada”, “Diários y Mixtape La Pampa”, entre outros. Foi o diretor fundador do BAFICI e do Festival de Documentários de Princeton. Lecionou nas universidades de Princeton e Harvard e participou do Harvard Film Study Center. Atualmente, dirige o Programa de Cinema da Universidade Torcuato Di Tella, em Buenos Aires.

Programa

  • Presencial

    Unibes Cultural

    O que estou pensando

    por Andrés Di Tella

    1

     

    Há um momento inusitado, aos 20 minutos de “Como me da la gana II” (2016), de Ignacio Agüero, em que se ouve a voz do diretor dirigindo-se à editora Sophie França. “Nos perdemos, Sophie”, diz Agüero, resignado, após um silêncio. É como se o filme estivesse inacabado e nós, espectadores, estivéssemos assistindo ao processo de edição na sala de edição. E então o filme recomeça! As legendas e os créditos iniciais reaparecem: “Como me da la gana II”, um filme de Ignacio Agüero, etc.” É, claro, uma brincadeira, brincando com as expectativas frustradas dos espectadores. Mas há também uma espécie de manifesto nesse gesto inesperado: eu faço um filme “como eu quero”. E, ao mesmo tempo: uma reivindicação do risco, da errância, da incerteza, da confusão, da… arte de se perder. Rebecca Solnit, em Um guia para a arte de se perder, cita Walter Benjamin: “Pouco importa não saber como se orientar na cidade. Perder-se, por outro lado, em uma cidade, como alguém perdido em uma floresta, requer aprendizado.” Segundo a concepção de Benjamin, continua Solnit, perder-se é estar plenamente presente, e estar plenamente presente é ser capaz de mergulhar na incerteza e no mistério. Pode-se dizer que os filmes de Agüero são sobre o presente. Ou melhor: a complexidade do presente. Um presente que, claro, inclui o passado.

     

    Como me da la gana II” revisita o filme anterior de Agüero, “Como me da la gana”, de 1985, no qual o documentarista interrompe as filmagens de vários filmes produzidos durante a ditadura de Pinochet para questionar por que e para quem estavam sendo filmados. As primeiras imagens que vemos da primeira versão, de 1985, como um flashback em “Como me da la gana II”, são de uma filmagem frenética, em meio à repressão policial a uma manifestação nas ruas de Santiago. Em meio à correria e ao gás lacrimogêneo, um jovem Agüero pergunta a outro cineasta (o falecido Andrés Racz?) para quem ele está filmando. O cineasta, enquanto monitora nervosamente o que acontece ao seu redor na rua, surpreende com uma resposta inesperada: “Ninguém!”. Não é por acaso que Agüero, que perdeu a paciência com toda a retórica de justificativas que qualquer projeto documental parece suscitar, optou por revisitar justamente esse segmento e essa resposta.

     

    Em “Como me da la gana II”, Agüero continua interrompendo as filmagens — de Pablo Larraín, Alicia Scherson, Christopher Murray, entre outros —, mas a pergunta mudou: o que é cinematográfico? As respostas improvisadas dos vários cineastas são todas

    diferentes. É uma boa pergunta a se fazer ao fazer um filme: onde está o aspecto verdadeiramente cinematográfico do que estou fazendo? Mas a resposta mais interessante está no próprio filme de Agüero. Diante de imagens de arquivo do início do século XX, de muitos homens, todos usando chapéus, talvez participando de um funeral, Sophie, a editora, pergunta: “E o que é cinematográfico para você, Ignacio?” Agüero responde, com muita confiança: “Chapéus!” Sophie, com raiva: “Muito engraçado.” A resposta de Agüero aqui evoca, não sem humor, o punctum mítico de Roland Barthes. Cinematográfico é o que nos toca ou nos desafia em uma imagem, em termos emocionais ou subjetivos, para além do que a justifica ou da informação que ela fornece (o que Barthes chama de studium).

     

    Reproduzo, com a maior fidelidade possível, o último diálogo entre diretor e montador, que encerra “Como me da la gana II”:

     

    – O que era cinematográfico então? – pergunta Agüero.

    – Chapéus? – tenta França.

    – Frio – diz Agüero.

    – A vitória do momento?

    – Frio.

    – A captura do acaso?

    – Frio.

    – Ah…! Então é… isso que estou pensando!

    – Exatamente.

     

    2

     

    Anotei no meu diário algo que Agüero me disse, mais ou menos: “O cinema acontece na tela. Portanto, o cinema acontece na mente do espectador, a partir da confusão que o filme oferece. Quando um filme rompe com as certezas e, de alguma forma, consegue confundir o espectador, acho que existe a possibilidade de o cinema acontecer. Naquela sensação de não saber muito claramente do que se trata. Porque é isso que te motiva a pensar, a questionar as coisas. E é isso também que comove as imagens, não é? O mais emocionante é quando você tem novas experiências com a imagem, que te levam a áreas do cérebro que começam a interagir, a tomar partido, a se conectar com outras áreas do cérebro que não se conectavam há muito tempo. Quando isso acontece, uma emoção é produzida. E isso, eu acho, é o que torna o cinematográfico.”

     

    Solnit, novamente: “As coisas que desejamos são transformadoras, e não sabemos, ou apenas achamos que sabemos, o que está do outro lado dessa transformação. Amor, sabedoria, graça, inspiração: como iniciamos a busca por coisas que, de alguma forma, têm a ver com expandir os limites do próprio ser para territórios desconhecidos, com nos tornarmos outra pessoa?”

     

    3

     

    Quando pensamos em edição, tendemos a pensar em cortes: como dois planos são colados, ou como uma sequência é montada, ou quando uma imagem termina ou começa, ou o ritmo gerado entre cortes. E assim por diante. Mas há algo talvez mais importante, e muito mais elusivo, que é a edição “distante”, como Artavazd Pelechian a chamou em um ensaio de 1972, “Teoria da Distância”.

     

    Uma das principais ideias de Eisenstein, conhecida desde tempos imemoriais, é que um quadro justaposto a outro, por meio da montagem, dá origem a um pensamento, um significado, uma conclusão. As teorias da montagem da década de 1920 deram atenção especial às relações entre quadros adjacentes. Eisenstein chamou isso de “união da montagem”, e Vertov, de “intervalo”.

    A experiência do meu trabalho no filme Menq me convenceu de que eu buscava algo diferente. Para mim, a essência e a ênfase principal da montagem consistiriam menos em justapor diretamente os quadros do que em distanciá-los, menos em implementar sua “união” e também sua “desunião”. O que me fascinava não era unir dois elementos da montagem, mas sim separá-los por meio da inserção de um ou mais elementos.

    Quando me deparo com dois quadros significativos, não tento aproximá-los ou confrontá-los, mas sim criar uma distância entre eles. O significado e a ideia que desejo expressar são melhor transmitidos não por sua união, mas por sua interação por meio de vários elos interconectados. A expressão obtida dessa maneira é muito mais forte e carregada de significado do que pela justaposição direta. A expressividade ganha com a distância, e a capacidade informativa do filme torna-se colossal.

    Chamo esse tipo de montagem de “montagem à distância”.

     

    4

     

    “Nunca subí el Provincia” (2019), um dos últimos filmes de Agüero, começa com uma conversa com um senhor mais velho, Don Luis, que morou por muitos anos do outro lado da rua da casa de Agüero, no bairro de Provincia. Eles falam sobre bois perdidos, o bairro, uma lavanderia que não existe mais, o dentista ao lado, o dono da banca de jornal. Agüero encerra a conversa, agradece e Don Luis se levanta. Mas Agüero o traz de volta, numa demonstração de improviso, para uma última pergunta que havia ficado no ar: “E a padaria? Qual era o nome da padaria…?” Don Luis começa a responder, mas a resposta é literalmente levada pelo vento: a voz do homem se esvai, e o sussurro do vento balançando as plantas do jardim da casa ganha volume. No entanto: essa pergunta, sobre a padaria e a padaria, se tornará o coração secreto do filme ao longo do filme. A padaria foi demolida para dar lugar a um prédio de apartamentos, que era justamente o que bloqueava a vista desobstruída de Agüero para o Cerro Provincia, que ele costumava apreciar do terraço de sua casa. Ninguém mais sabe nada sobre o padeiro, se ele deixou o bairro, se morreu… Sua existência é uma cifra, um mistério. “Não sei por quê, mas não consigo tirá-lo da minha cabeça”, diz Agüero em determinado momento. A última imagem do filme é uma filmagem de arquivo — mas o que é de arquivo e o que é atual neste momento do jogo? — do padeiro que para em frente ao seu negócio, agora com uma placa de “aluga-se”, e encara, interrogativamente, a câmera de Agüero do outro lado da rua. Não sabemos muito mais sobre ele do que no início, mas sua fugaz aparição no final do filme assume a densidade de um personagem de romance. Tudo aconteceu em nossas cabeças. O filme aconteceu! Penso na última frase de um dos últimos contos de Borges, Pedro Salvadores: “Como todas as coisas, o destino de Pedro Salvadores parece-nos um símbolo de algo que estamos prestes a compreender.”

Local

Unibes Cultural (Rua Oscar Freire 2500, São Paulo – SP)

Inscrições

Para participar do Rough Cut Lab como editor-observador/a é necessário adquirir um ingresso no valor de R$165,00 (incluindo taxas da plataforma).

As vagas são limitadas e a participação é garantida por ordem de compra de ingresso.

Convocatória para projetos ENCERRADA.
Os projetos selecionados serão comunicados por email até 10 de junho de 2025.